sábado, 5 de maio de 2012

BÍBLIA COMO REVELAÇÃO DE DEUS



Escrito por H. Henry Meeter


Deus possui outro livro além da criação: a Bíblia. No princípio existia somente um livro, uma só revelação de Deus: a natureza. E no mundo vindouro de novo não haverá mais do que um livro: a nova natureza, na qual o homem verá a Deus e a sua vontade revelada. Os redimidos na eternidade, do mesmo que Adão, terão clara revelação da vontade de Deus em seus corações e da natureza que os cerca, e não terão, consequentemente, nenhuma necessidade de uma revelação especial como é a Bíblia.

Há um fato que explica o motivo da necessidade deste segundo livro: a Bíblia, ou revelação especial de Deus; este livro foi necessário por causa do pecado. Quando o homem caiu, tanto ele como a natureza mudou. A mente do homem chegou a entenebrecer-se de tal maneira, que não era capaz de ver as coisas tal como eram; e a natureza se viu alterada como parece deduzir-se da expressão: “produzirá também cardos e abrolhos” que encontramos no livro de Gênesis (Gn 3:18). Contudo, ainda hoje a natureza é um espelho em que se reflete a glória de Deus. Todavia, por causa do pecado pode-se dizer que este espelho esteja deformado. Como é sabido, um espelho torto reflete as coisas de uma forma grotesca e diferente de como realmente são. Como pode o homem agora com sua mente entenebrecida e numa natureza transtornada, descobrir a Deus de modo correto, ou chegar a conhecer a sua verdadeira natureza e propósito de sua existência? Estas se tornam as três perguntas fundamentais que o calvinista terá presente em sua cosmovisão.

Sob tais condições como pode o homem obter uma concepção adequada da realidade? A única solução seria se Deus desse outro livro: a Bíblia. Na Bíblia Deus revela ao homem de uma maneira clara e infalível a verdade sobre estes problemas, iluminando ao mesmo tempo com a luz do Espírito Santo a sua mente entenebrecida para que seja capaz de compreender as verdades bíblicas. Assim, podemos ver a relação que existe entre a Bíblia e o livro da natureza. A Bíblia não está no mesmo nível da natureza como revelação de Deus, senão que é um corretivo das ideias deformadas que possa dar-nos a natureza em seu estado decaído. Apresenta-nos uma revelação sobre Deus e o universo que a natureza não pode proporcionar de maneira adequada. Como disse Calvino, devemos olhar para a natureza através das lentes da Bíblia. Assim, pois, ainda que duas sejam as revelações que Deus deu as suas criaturas, a Bíblia constitui a máxima autoridade para uma cosmovisão. O cristão para interpretar corretamente a natureza e o mundo circundante necessita do enfoque bíblico.

Todavia, a Bíblia é mais do que um mero intérprete da natureza, já que ela contém uma revelação especial para a salvação do pecador. Esta informação tão importante não pode vir da natureza pela simples razão de que a natureza foi criada antes que se abrisse um caminho de salvação aos pecadores. Assim, como poderia a natureza informar-nos sobre isto? Contudo, ainda que a salvação do homem é na realidade o tema central da Bíblia, esta revelação está estreitamente vinculada a visão geral do universo e da vida humana.

Interpretaríamos mal o propósito da Bíblia se crêssemos que se trata de um mero livro de texto sobre diferentes conhecimentos. Não se trata disto. O estudante nos diferentes campos de investigação – natureza, história, psicologia, etc. – acumula evidência. Quando procede a interpretação ou de organizar esta evidência e a relacionar as verdades de alguma ciência em particular numa estrutura geral de conhecimentos, necessitará de interpretação unificadora das Escrituras. Não podemos ter uma concepção correta de Deus, do universo, do homem, ou da história sem a Bíblia.

Consequentemente, este livro além de mostrar-nos o caminho da salvação nos proporciona aqueles princípios que condicionarão toda a nossa vida, incluindo os nossos pensamentos e a nossa conduta moral. Não somente a ciência e a arte, senão que também a nossa vida familiar, os nossos negócios, os nossos problemas políticos e sociais devem estar processados e estruturados à luz e direção das verdades da Escritura.

Isto é assim, inclusive na filosofia. Pode-se supor que pelo fato da filosofia ser a ciência dos princípios, então que a filosofia cristã em última instância terá que fundamentar-se na razão e, tratará de todos os problemas da filosofia sobre uma base puramente racionalista, desprezando a Bíblia como autoridade final. Mas ainda aqui o calvinista não fundamenta a sua aceitação das verdades bíblicas em sua filosofia, pelo contrário, inicia com as verdades básicas da Bíblia para fundamentar a filosofia. A sua filosofia se fundamenta especificamente sobre a revelação. Da mesma maneira que todos os sistemas filosóficos partem de pressuposições básicas não provadas – hipóteses – assim, o cristão parte das verdades da revelação como pressupostos básicos. O proceder do calvinista não consiste em fundamentar a Bíblia na filosofia, senão que estrutura a sua filosofia cristã sobre a Bíblia.

Os princípios de fé e conduta que a Bíblia contém, do mesmo modo que as verdades do caminho da salvação surgem dentro de um contexto histórico vinculado aos acontecimentos dos homens e das nações. Consequentemente não se pode esperar que tudo o que a Bíblia ensina tenha o mesmo valor, e possa ser considerado como norma da vida para nossa conduta. Ela menciona alguns atos que na realidade são totalmente contrários a uma norma da vida padrão como, por exemplo, quando Absalão traiu de forma vergonhosa a seu pai Davi. Outras porções da Escritura contêm normas que não são para todas as épocas, senão que uma vigência específica num período ou ocasião determinada. Assim, Calvino nota que várias das leis civis de Moisés não eram para o nosso tempo, senão que encerram uma significação meramente transitória. Contudo, a Bíblia nos apresenta diretrizes básicas, ou princípios eternos à luz dos quais julga os atos históricos que contém, e nos insta a que também moldemos as nossas vidas. Estes princípios eternos se encontram não somente no Novo como também no Antigo Testamento.

Extraído de H. Henry Meeter, La Iglesia y el Estado (Grand Rapids, TELL, 1963), pp. 27-30.

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