Muito se tem falado em avivamento nos últimos anos no Brasil. Avivamento se tornou uma palavra-chave para justificar muitos eventos, tanto no contexto pentecostal como nas igrejas históricas. Parece
que tudo gira em torno do avivamento. Por
conta disso, muitas são as mentiras em torno do
tema, pois observando os verdadeiros avivamentos na história, muito do que temos hoje é barulho e nada mais.
Exemplo disso é a Marcha para Jesus e muitos cultos, congressos e eventos em geral. É preciso dizer que muito do que vemos em nada se assemelha ao verdadeiro sentido da palavra avivamento, pois um avivamento de
verdade está muito além dos propósitos que se buscam hoje.
Muitos eventos em que se destaca o avivamento não passam de eventos para multiplicação de propósitos e desejos de ministérios pessoais. Para partirmos para um avivamento é preciso transformação de dentro para fora, ou seja, que começa na igreja e se estende para fora, alcançando toda a comunidade e até todo o país.
É preciso rever as bases, como por exemplo:
a) o que é igreja. Muitos não sabem o que é igreja. Para muitos líderes, igreja é simplesmente sua fonte de renda, como um
trabalho qualquer. O líder tem regras, metas, reuniões e nada mais. O povo são seus clientes, e suas metas são seus principais objetivos. Em muitas igrejas, esses alvos e metas definem promoções e a vida dos pastores. Com isso, a igreja perde sua referência, perde sua espiritualidade, pois sua linguagem é a empresarial e não a bíblica. A igreja tem que ser uma comunidade terapêutica, ou seja, uma casa onde o cansado, o oprimido, o sofrido, o desesperado encontram descanso e paz, e encontram através da Palavra de Deus um caminho para a vida. Infelizmente, ao contrário, hoje muitas igrejas se tornaram
local de extorsão, engano, frustração e mentiras, pois a essência do cristianismo não está ali. Há cultos, em muitas igrejas, onde nem sequer a Bíblia é referida. Fala-se em Deus, em Jesus, porém Seu caráter não é ensinado.
b) o que é a Bíblia. A Palavra de Deus é a referência para homens e mulheres neste mundo turbulento, pois ela é a revelação de Deus, luz para o caminho, é a verdade para que todos aqueles que nela crêem vivam de uma forma abundante no mundo. A Palavra de Deus revela a vontade de Deus para os seres humanos. Por isso, a fé vem pelo
ouvir a Palavra de Deus, sendo seu ensino de suma importância para toda a comunidade cristã. Não é possível que uma comunidade se diga cristã e não tenha como principal valor o estudo e a busca do conhecimento através da Palavra de Deus. É preciso também dizer que nos dias de hoje necessita-se de cuidado até mesmo com as traduções bíblicas, pois muitos são os líderes que manipulam o povo com traduções errôneas, onde o único propósito é saciar os próprios desejos. Parece incrível isso. Apesar da Palavra de Deus revelar que nada deve ser acrescentado ou tirado, muitos são os líderes que revelam não temer a Deus em nada, pois distorcem a revelação da Palavra com conclusões pessoais, que são verdadeiras heresias. Ao longo da história, muitas foram as doutrinas, dogmas e eclesiologias criadas com o fundamento de manipular, escravizar os seres humanos.
Muitas teologias hoje, destaco nisso a Teologia da Prosperidade, sucumbiriam diante da análise de biblistas, exegetas conceituados pelo mundo. É preciso dizer que há homens e mulheres que com muita responsabilidade estudam a Palavra de Deus a partir dos textos originais. Isso é uma tarefa
muito árdua, que exige o conhecimento de outras línguas, de outras ciências. Por isso, é inadmissível que alguém que se diga pastor, que lidera um povo não saiba manejar a Palavra de Deus.
O apóstolo Paulo aconselha ao jovem Timóteo que procure com zelo o conhecimento, através da Palavra de Deus, para que se apresente como um obreiro que não tem do que se envergonhar. Parece que esse versículo não é compreendido por muitos líderes, pois quanta vergonha vemos em programas de rádio, tv e em muitos cultos. O triste disso é que o próprio Deus revela em Sua Palavra que Ele tem prazer em nos revelar a Sua Palavra, através do Espírito Santo.
c) o que é ser pastor. A função pastoral não é tão simples como muitos homens e mulheres pensam. A Palavra de Deus nos revela que é o próprio Deus que faz e capacita os seres humanos para exercer função de suma importância. A Palavra nos revela que o pastor representa o sumo-sacerdócio, porém é preciso também lembrar que a Palavra de Deus destaca vários atributos para que alguém exerça essa função. O principal deles é que o pastor deve se afastar do pecado e buscar constantemente viver no centro da vontade de Deus. Para isso, Deus coloca à sua disposição Seu Espírito e todos os exemplos do Seu Filho Jesus. Porém, é preciso que o pastor assuma ser dependente de Deus, e não viva segundo a sua própria sabedoria e vontade, pois o pastor deve ser exemplo no caráter, na sua forma de ser e praticar a sua regra máxima, que é a Palavra de Deus.
Sendo assim, aquele que assume a função pastoral tem que saber sobre a sua vocação, e não como é feito em muitas igrejas, que fazem do pastoreio algo hereditário e nepotista. Isso expõe o porquê de muitos pastores e pastoras serem tão desumanos, materialistas, consumistas e em nada espelhem o caráter de Cristo.
d) qual a missão da Igreja. A pergunta é: para que serve uma igreja no contexto contemporâneo? Algumas igrejas são verdadeiros clubes sociais, exclusivos para determinados grupos sociais. Temos igrejas para ricos, para pobres, para cantores, para gente famosa, para gente simples, como também há igrejas que têm um pouco de tudo. Mas a grande questão é que a igreja não cumpre a sua missão. A essência da igreja está na promoção da vida, no fato de que todos aqueles e aquelas que a frequentam têm compromissos não somente consigo próprio, mas principalmente com o seu próximo.
A igreja existe para que homens e mulheres conheçam a Deus, descubram a Sua vontade e espalhem pela terra, de forma prática, o ser de Deus. Isso é ser a imagem e semelhança de Deus. Não basta se intitular cristão; é preciso viver uma vida prática do cristianismo, e isso muitas igrejas, muitos líderes e muitos cristãos precisam descobrir. Não é possível que em alguns lugares do mundo seres humanos morram de fome, sede e de doenças, pela guerra, enquanto algumas nações se declaram cristãs e nada fazem pelos que sofrem no mundo.
Há igrejas que em cinquenta anos de existência nunca enviaram um missionário. Em muitas igrejas, missões são um assunto descartável, pois a preocupação é local e pessoal. Tudo o que a igreja arrecada tem como destino sustentar a liderança. Infelizmente, para muitos líderes, a igreja existe para sustentá-los e saciar seus desejos pessoais.
A missão da igreja vai muito mais além daquilo que pensamos, pois o próprio Deus nos mostrou, de forma prática, que devemos ser instrumentos de transformação social.
Após a igreja estar centrada nessas bases, podemos dizer que esta igreja pode começar a orar por uma avivamento.
É preciso saber que um verdadeiro avivamento tem obstáculos enormes, obstáculos que só podem ser transpostos pela fé. Quando digo que esses obstáculos são enormes é porque no Brasil temos um câncer e cultural.
“O Brasil precisa de uma faxina ética, e isso tem que iniciar na igreja e na sua liderança”
No Brasil, temos uma cultura mutante, influenciada por diferentes culturas vindas de todo o mundo, através dos processos de imigração. Desde nossa colonização, a cultura que predomina é a cultura da morte, da exploração do mais fraco. Isso se revela em nossa história: o negro, o índio, a mulher, as crianças, os velhos, todos foram explorados até a morte em nossa história.
Isso também ocorre hoje, em nossa sociedade, pois muito do que vemos não é nada novo. É a continuação de um processo que não para. O pobre, o negro, a mulher, as crianças, os velhos continuam a ser vítimas dos poderosos, e isso hoje vai muito além do senhor da casa-grande, pois em nossos dias isso se estende para o Estado, e são expostos através das ações dos políticos, dos grandes latifundiários, dos donos de comércio, dos militares e, infelizmente, também pelos religiosos.
Enfim, nada mudou.
A cultura de morte se espalha em todo o canto do mundo, em todo o canto do nosso país. Isso é visto no sistema de saúde, no trabalho, na distribuição de renda, no sistema carcerário, no trânsito, enfim, nas relações humanas. Onde tem pobre, negro, tem miséria, doença, fome, tristeza e morte. Se um negro pobre estiver sendo espancado por policiais em via pública, ninguém vai interferir, pois se tem a cultura de que negro e pobre é “bandido”, e bandido tem que apanhar mesmo. Há um ditado popular que diz que bandido bom é bandido morto.
Por que não dizemos isso do sistema político? Por que não dizemos isso dos ricos? Eles também cometem crimes. Sabe porquê existe essa diferença? Porque faz parte da nossa cultura sobrepujar o pobre, o negro, o miserável.
No Brasil e em muitos países do mundo há uma justiça para pobres, negros e miseráveis, e outra para os ricos. Apesar da Constituição Brasileira dizer que somos iguais, isso não acontece no dia-a-dia de nossa sociedade. Quem comanda a cultura são as elites que massacram os mais fracos, e essa cultura massacrante, onde o mais fraco, o diferente, o desigual é a grande vítima da guerra social.
E o ponto mais triste, em meio a tudo isso, é que a igreja participa de tudo isso ao longo da história. A igreja, desde a colonização, também foi responsável pelo massacre cultural. Mesmo depois de quinhentos anos, a igreja nada mudou e hoje temos um agravante, pois juntamente com a Igreja Católica, as igrejas contemporâneas também assistem o sofrimento dos pobres e o pior, que muitas têm se transformado em uma das formas de exploração dos mais pobres.
De diferentes formas, hoje a igreja entra na cultura da morte, pois nega sua responsabilidade social e cultural. A igreja precisa rever suas bases sociais e culturais, pois em sua essência está a luta por justiça e vida.
Não é possível assistir o caos social em que vivemos enquanto muitas igrejas, ao invés de ser veículos de justiça, se aliam ao mundo. Exemplo disso são as alianças políticas. O mundo político é um poço de lama, onde a corrupção reforça a cultura de morte. É preciso uma grande mudança, pois acredito que da forma que estamos será difícil falar de um verdadeiro avivamento, a não ser que tudo mude, pois o que temos hoje no seio de algumas igrejas é a mentira, o misticismo, a idolatria humana, o desejo desenfreado de consumir e viver de forma totalmente material. Esses valores são pedras de tropeço para um verdadeiro avivamento.
Como pode haver milagres, se a Palavra não é pregada? E quando pregada, é tendenciosa? O exemplo disso é a Teologia da Prosperidade, que enriquece a cada dia os seus defensores, enquanto que o povo continua na miséria. Hoje temos, infelizmente, a manipulação da realidade religiosa, pois tudo tem propósitos, e muitos propósitos não são éticos nem verdadeiros. Como haver avivamento, se a igreja não representa a justiça? Como haver prosperidade, se a prosperidade não muda o estado de miséria de um povo? Como haver avivamento, se a igreja é um veículo de mentira social, aliada ao sistema de corrupção e ao pecado, elementos esses que alimentam essa cultura de morte?
Estou exagerando? Veja o resultado das denúncias da Anistia Internacional, em relação aos direitos humanos no Brasil. Veja os resultados dos órgãos que pesquisam a educação, a violência contra a mulher, crianças, idosos, resultados esses que, comparados a outros países do mundo, nos colocam abaixo de muitos países ditos miseráveis. Veja a realidade dos hospitais, a seca no nordeste, que há décadas persiste. Quantos políticos se enriqueceram às custas de projetos contra a seca? O que dizer da Reforma Agrária, ou melhor, que Reforma Agrária? O que dizer do trânsito, que mata a cada dia, e incrível, se o rico matar no trânsito sai na mesma hora, e rindo, enquanto famílias choram a perda dos entes queridos. O que dizer do sistema penitenciário, verdadeiras masmorras medievais, onde a tortura e o desrespeito ao sentido da palavra humano são as leis? O que dizer do Estado, que usa a tortura, espancamento como medidas sócio-pedagógicas em instituições que dizem existir para corrigir e mudar o caminho de jovens infratores? O que dizer de nossas estradas? O que dizer dos pobres no interior de Estados do nordeste, onde a fome, a miséria prevalecem?
E o que temos em resposta do Estado para tudo isso? Fome Zero, PAC, porém de outro lado, juntamente com isso, temos mensalão, ambulâncias, Cachoeiras, enfim, como dizem, formas para tapar o sol com a peneira.
É preciso atacar o foco. Se não mudarmos nossa cultura de vantagens e exploração dos pobres, não teremos uma mudança social e, com isso, um verdadeiro avivamento não pode ocorrer. Não é possível que Deus assista todo o sofrimento de um povo e, enquanto isso, “seus filhinhos” cantem e dancem nas igrejas. Isso não é amor, não é misericórdia, não é solidariedade.
O que vemos é vaidade, ganância, omissão e tudo isso é pecado. Onde há pecado não há a presença de Deus. Num país onde rico e poderoso nunca erra, mesmo pego em flagrante; onde até as leis são presunção de exploração e injustiça, a igreja tem que pregar que Deus é contrário a tudo isso.
Mas agora vivemos o contrário. Pastores se calam diante do poder financeiro de muitos ricos e poderosos, e mentem sobre avivamento e o poder do Espírito Santo. Por isso, só acredito em avivamento se a igreja abandonar seus laços com o mundo corrompido e mau. Assim proclamo:
“Sem transformação social e cultural não há avivamento.”
Não há engano, a não ser que se queira. Temos que lutar por pastores que busquem sabedoria, transparência, integridade, simplicidade, e que tenham em seu vocabulário e prática de vida palavras como amor ao próximo, solidariedade, Graça, e isso tudo vem com mudanças de rumo. Ser pastor não é profissão, é um sacerdócio.
Queremos pastores que saibam enxergar o próximo. Queremos pastores que dividam sua prosperidade com os que sofrem.
Ufa! Estou cansado de ver tudo isso, e não ver mudanças em nossa sociedade. Continuo a ver pobres nas calçadas, morrendo de fome; doentes morrendo em portas de hospitais por falta de leitos, ou pela precariedade no atendimento. Estou cansado de pobres serem torturados e mortos por policiais; estou cansado de ver políticos mentindo na TV, sem ninguém fazer nada – ninguém sabe nada. Estou cansado de ver pastor na TV mentindo, adulterando a Palavra de Deus em seu proveito, chamando seus próximos de bandidos. E, lamentavelmente, a culpa não é de ninguém, ninguém fez nada.
Algo tem que acontecer, e tem que começar. O começo é acabando com a mentira e a hipocrisia que há em toda a sociedade e em muitas igrejas e líderes. Só assim poderemos clamar, em alta voz, aba Pai. Aí sim veremos acontecer em nossa sociedade o que diz a Bíblia em 2 Crônicas 7.14:
“E se o meu povo, que se chama pelo meu nome, se humilhar, e orar, e buscar a minha face e se converter dos seus maus caminhos, então eu ouvirei dos céus, e perdoarei os seus pecados, e sararei a sua terra.”
Ainda bem que a misericórdia de Deus se renova a cada manhã em nossas vidas.
“Voltemos ao Evangelho puro e simples, o $how tem que parar.”
Louvado seja Deus que ainda está no controle do mundo.
Paulo Siqueira